Caminho da querença inicial

Todo brasileiro, do Sul ao Norte, sente vontade de conhecer a Bahia, suas “trezentas e sessenta e cinco igrejas”, e seu candomblés; tem vontade de subir no Elevador Lacerda; de comer os quitutes gostosos da cozinha baiana: um vatapá, um carurú, um efó. Vontade de ver a Rampa do Mercado, ouvir histórias de saveiristas; rezar na “Igreja tôda de Ouro”, visitar seus monumentos cívicos e religiosos, como se estivesse assitindo ao desenvolvimento cultural e histórico do nosso povo.

Cada coisa que se escreve sôbre a Bahia é, para quem não a conhece, um chamado, um delicioso convite. E assim, quando Dorival Caymmi, poeta do povo e das paisagens baianas, canta com tristeza e saudade músicas de sua terra, a gente sente vontade de ser baiano também. Apaixona-se por seus mares, sente estar andando em suas ruas ou nas areias brancas do Abaeté. Quando Jorge Amado escreve, sente-se que seus romances são um apêlo a todos os homens e mulheres para virem à Bahia.

Se outras terras têm fama pelos arranha-céus, pelas ruas largas e bem calçadas, pelo plano urbanístico realizado, a Bahia tem justa fama pela riqueza das suas igrejas, pelos solares cujas paredes guardam legendas de amor e ódio, pelos becos e ladeiras calçados de pedra-moleque, que nos falam do passado que não está morto, porque vive no coração de muitos.

Mas acontece que a Bahia é absorvente. Absorvente como morena bonita e misteriosa. O visitante logo se apaixona pela sua beleza. Contudo, só depois de viver com seu povo, participar de suas festas, ouvir as lendas dos seus solares, vera obra de talha dos seus artesãos anônios, ouvir o chamado nostálgico dos seus atabaques nas longas noites baianas, o visitante a possui e é possuído.
O melhor conselho para quem a deseja é conquistá-la devagar. E a querença começa na paisagem… 

[...] As viagens para a Bahia devem ser feitas sempre por via marítima. Vindo-se de navio, tem-se o espetáculo da entrada do pôrto, o mais belo que se possa imaginar. [...]

São suas casas amontoadas uma por cima das outras, sem simetria e com colorido que nenhum pintor ousaria igualar, as ladeiras enroscando-se pela cidade como serpentes amorosas; casas encravadas nas muralhas, que vão subindo, montando nas ladeiras; e, ao alto, tôrres de igrejas cercando e abençoando tudo. Imagina-se que tudo aquilo vai ruir. Aas casas da cidade alta se equilibram nos altos barrancos e dão a impressão de que bastaria um leve sôpro para tudo vir abaixo. [...]

No quebra-mar, o forasteiro tem a impressão de que a cidade está dividida em cidade nova e cidade velha. De um lado, aparecem edifícios modernos, como símbolo de progresso; de outro, é o passado firme, sem querer ceder às imposições.

Darwin Brandão & Motta Silva. Cidade do Salvador – caminho do encantamento. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958, p. 3-7.

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