[...] Entre 1900 e 1920, um dos artistas que havia alcançado maior projeção na sociedade baiana foi Manoel Lopes Rodrigues. Nascido em 1861, ele era filho de outro importante pintor, o mestre João Francisco Lopes Rodrigues. No início de sua carreira, Manoel Lopes Rodrigues foi aluno do artista espanhol Miguel Navarro y Canizares, fundador da Academia de Belas Artes da Bahia. Sua primeira exposição comercial, contudo, só foi organizada em 1917, logo após a sua morte. Um dos mais festejados discípulos de Lopes Rodrigues foi o pintor Presciliano Silva, definido por Afranio Peixoto como a "obra" mais importante daquele artista.
Presclliano Silva, reconhecido hoje como o mais importante pintor baiano da primeira metade do século XX, nasceu em 1883 e estudou na Academia de Belas Artes, onde mais tarde foi professor. Contemporâneo de Presciliano foi Alberto Valença, outro grande artista baiano. Considerado um precursor do movimento modernista na Bahia, Alberto Valença foi um dos últimos sobreviventes de uma geração de mestres da Academia de Belas Artes. Entre esses mestres, outro nome que merece destaque é o de Manoel Ignacio de Mendonça Filho, aluno da Academia como os demais e, a partir de 1946, primeiro diretor da Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia. Juntos, esses grandes personagens das artes plásticas da Bahia formaram aquela que ficou conhecida como a Escola Baiana de Pintura.
Nos anos 30, um período que já prenunciava as profundas transformações políticas e sociais que estavam por acontecer, o versátil escritor e crítico baiano Carlos Chiacchio, sempre avançado em relação a seu tempo, participava de múltiplas atividades na área cultural. No que concerne às artes plásticas, em especial, Chiacchio desempenhou papel decisivo. Foi ele quem patrocinou, comentou e comercializou, em exposições inaugurais, a obra dos maiores nomes da pintura baiana da época, assegurando um lugar de destaque na história da Bahia moderna. Em eventos sempre dinâmicos e movimentados, Chiacchio apresentou à cidade do Salvador não apenas o trabalho de mestres acadêmicos como Presciliano Silva, Alberto Valença, Mendonça Filho, Jayme Hora, Raimundo Aguiar, Emldio Magalhães e Oseas mas também a importante obra de Mario Cravo Junior, Carlos Bastos e Genaro de Carvalho, nossos primeiros artistas modernos.
Mais tarde, durante os anos 40 e 50, com a difusão do movimento modernista, teve início a renovação das artes plásticas balaras. Integrada à Universidade da Bahia como Escola de Belas Artes, a antiga Academia procurava acompanhar as mudanças. Contando com a colaboração de artistas modernos como Diógenes Rebouças, Maria Celia Amado, Bina Fonyat e Henrique Oswald, ao lado de jovens artistas como Juarez Paraíso, Riolan Coutinho, Mario Cravo Junior e João José Rescala, a nova Escola de Belas Artes participava ativamente da vida cultural da cidade, sempre com o apoio de intelectuais e Incentivadores como Clarival do Prado Valadares, Carlos Chiacchio, José Valadares e Odorico Tavares.
0 governo estadual, no fim dos anos 40, era chefiado por Otavio Mangabeira, que convocou para assumir a Secretaria de Educação e Saúde o grande educador baiano Anísio Teixeira. A empreendedora atuação de Anisio Teixeira à frente desse importante órgão público inaugurou um período de inovações e realizações que propiciou uma verdadeira "revolução" cultural, com ampla e fecunda reforma de idéias e valores. Entre outras lembranças daquele notável momento da história da Bahia podem-se citar a criação do Departamento de Cultura, a modernização do Museu de Arte, dirigido por José Valadares, a instalação dos Salões Baianos de Belas Artes, o estímulo à arquitetura moderna e a fundação de novos museus.
Foi também durante os anos 50 que a Bahia começou a profissionalizar seus artistas, dando início à disseminação das artes entre o grande público. Incentivando e promovendo a incorporação das artes plásticas ao cotidiano da vida baiana viam-se intelectuais como Waldeloir Rego, Antonio Celestino, Carlos Eduardo da Rocha e muitos outros. E foi em clima de euforia que em 1950 Carlos Eduardo da Rocha, poeta, escritor, professor, agitador cultural e marchand, inaugurou a primeira galeria de arte da Bahia constituída como um empreendimento privado: a Galeria Oxumarê. Ainda durante esse período de intensa movimentação, a Bahia testemunhou a chegada a Salvador de artistas como Pancetti, Carybé, Hansen, Lenio Braga, Udo Knoff, Jenner Augusto e Raimundo Oliveira, todos atraídos pelo clima de efervescência cultural.
A partir da segunda metade do século, enquanto a Oxumarê antecipava o perfil das atuais galerias de arte, outras entidades, privadas e oficiais, inauguravam espaços para novas realizações. Foi então que surgiram o Clube de Cinema, idealizado pelo poeta e crítico Walter da Silveira, o Museu de Arte Moderna da Bahia, conduzido pela arquiteta Lina Bo Bardi, a Universidade da Bahia, regida pelo magnífico reitor Edgar Santos, a Escola de Teatro, dirigida pelo teatrólogo Martim Gonçalves, a Orquestra Sinfônica da Bahia, a Bienal Nacional de Artes Plásticas e inúmeros outros eventos e instituições que iriam influenciar decisivamente o caminho das artes na Bahia nos anos seguintes.
A década de 60 foi um período de profundas turbulências no mundo inteiro. No Brasil, o regime militar repressivo suscitou uma série de revoltas, inclusive no meio artístico. Unidos contra o inimigo comum, artistas de todo o país somavam esforços na defesa das liberdades individuais e coletivas de expressão e criação. Na Bahia, trabalhando com os traços peculiares da cultura local e nacional, artistas como Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri, Juarez Paraíso, Calasans Neto, Emanoel Araujo e Jamison Pedra, entre muitos outros, emprestavam dignidade à gravura, ao desenho e a outras técnicas artísticas, até então consideradas menores.. Com o encerramento das atividades da Galeria Oxumarê, Carlos Eduardo da Rocha assumiu a direção do Museu de Arte da Bahia, onde realizou importantes eventos, entre os quais exposições de diversos artistas baianos, a exemplo de Rubem Valentim, Mestre Didi e Emanoel Araújo.
Marcado pela ebulição e pela universalidade das linguagens artísticas, esse período também se notabilizou por ter presenciado o surgimento de galerias de arte que seriam extremamente relevantes no panorama artístico que se delineava na Bahia. Criada por José de Almeida Castro, personagem de grande importância no cenário das artes plásticas baianas, a Galeria Bazarte, que inicialmente tinha propósitos comerciais, aos poucos foi sendo absorvida pelo espírito mecênico de seu proprietário e se transformando em ateliér e oficina de jovens artistas emergentes. À Galeria Bazarte vieram somar-se, um pouco mais adiante, a Galeria de Arte Manoel Querino, dirigida pelo médico e crítico de arte Clarival do Prado Valadares em parceria com o artista e marchand Renot, e a Galeria Convivium, conduzida pelo artista plástico e professor Juarez Paraíso.
Ao lado dessas novas galerias, que possuíam uma orientação predominantemente intelectual, destacaram-se ainda, na mesma época, empreendimentos de cunho mais comercial, como a galeria do Hotel da Bahia, à frente da qual encontrava-se Luz da Serra, as galerias Panorama e Le Dome e o atelier de Kennedy Bahia. Esse último, adotando uma postura mercantil mais agressiva - que ia de encontro aos critérios de comercialização estabelecidos ao longo das décadas anteriores - vulgarizou a arte e a transformou em mercadoria trivial, de rápido consumo, conquistando um extenso público nacional e internacional, especialmente entre os turistas. [...]
Foi nos anos 70, contudo, que a arte se misturou, definitivamente, à vida. Os grandes museus, esforçando-se para estabelecer uma maior proximidade com o público, procuraram fazer dos objetos de arte um aspecto essencial da vida cotidiana. Outras tentativas, na verdade, foram muito além. Um dos exemplos mais notáveis desse novo caráter socializante da arte foi o Projeto Etsedron - nordeste escrito de trás para a frente - que agregava artes plásticas, música, dança, fotografia, literatura e cinema. Edison da Luz, seu idealizador, trabalhando em colaboração com vários outros artistas, escritores e intelectuais - entre eles Marclo Meirelles, Matilde Matos, Lia Rebato, Clyde Morgan e Almandrade - buscava produzir obras que, integrando-se à natureza e à realidade social do povo brasileiro, estimulassem os vínculos entre arte e vida. Os projetos do Etsedron, carregando a marca de uma identidade tipicamente nacional, provocaram polêmica no meio artístico brasileiro, elogiados por alguns e criticados por muitos. Chocando-se de frente com a mentalidade elitista de sua época, o Etsedron foi sempre julgado com intenso preconceito. Apesar disso, um de seus projetos chegou a receber o maior prêmio da Bienal Nacional de São Paulo de 1973.
Ao longo da década de 70, em Salvador, os baianos que cultuavam as artes costumavam reunir-se no Instituto Cultural Brasil-Alemanha, o ICBA, que era dirigido pelo alemão Schaffner, e na Galeria 0 Cavalete, comandada por Jaci Brito, incontestavelmente uma grande incentivadora dos talentos emergentes. 0 número de artistas plásticos que chegou ao mercado naquele período foi enorme, incluindo nomes como César Romero, Mario Cravo Neto, Fernando Coelho, Eckenberger, Justino Marinho, Washington Santana, Anisio Dantas, Juraci Dórea, Edson Calmon, Jorge Costa Pinto, Murilo, Marcia Magno, Leonel Brayner, Graça Ramos e muitos outros. 0 final desse decênio, entretanto, traz recordações de equívocos e contratempos, sugerindo uma revisão não apenas do que se deixou de fazer mas também do modo, algo indiscriminado, que se adotou para produzir e comercializar arte na Bahia.
Em meados do anos 80, porém, novos caminhos e oportunidades começaram a surgir. Num movimento que imprimiu maior profissionalismo ao mercado de arte baiano, um extenso circuito comercial de exibição e comercialização estruturou-se e ganhou força em Salvador. Acreditando no potencial da arte baiana e na viabilidade de sua inserção no mercado nacional, marchands como Jaci Brito (Galeria 0 Cavalete), Paulo Darzé (Escritório de Arte da Bahia), Miriam Ribeiro (Época Galeria de Arte), Katia Fraga (Katia Galeria de Arte), Branca Barros e Luiz Humberto de Carvalho (Multiplus Galeria de Arte), Veranlce Gornlk e Denlsson de Oliveira (Prova do Artista, pioneira na comercialização de gravuras e arte em série) e Luiz Caetano Queiroz, incansável promotor de leilões de arte, empreenderam ações que emprestaram consistência ao mercado e conduziram o público a uma verdadeira participação.
Ao final dessa mesma década, galerias como o Escritório de Arte da Bahia e a Prova do Artista destacaram-se, emprestando imenso prestígio às exposições agendadas e aos leilões periódicos que promoviam. Talentos nacionais que haviam despontado nas últimas décadas e que nunca tinham sido apreciados na Bahia puderam expor seus trabalhos, atraindo espectadores e colecionadores sempre numerosos e interessados. As mostras passaram ã adotar padrões de apresentação e funcionamento compatíveis com os que se viam nos melhores centros do país e catálogos de excelente qualidade - produzidos por um pioneiro do design gráfico na Bahia, Pedro Belmonte Fraga -. ofereciam a todos os artistas uma demonstração inequívoca de valorização e respeito profissional.
0 pluralismo cultural e tecnológico que explodiu entre as décadas de 80 e 90 repercutiu favoravelmente nas artes plásticas baianas. Em virtude do extraordinário avanço ocorrido na microinformática e nas telecomunicações, facilitando o acesso a uma enorme quantidade de notícias e documentos de todos os tipos, os artistas das novas gerações chegavam ao mercado com pleno domínio de um vasto elenco de informações, o que propiciava, sobretudo, um engajamento mais expressivo e uma maior participação social. Surgiram então nomes como Leonel Mattos, Fatima Tosca, Ramiro Bernabó, Luiz Britto, Caetano Dias e muitos outros, todos ainda atuantes, Ainda no final dos anos 80, resultando num estimulante intercâmbio de idéias e tendências, os salões baianos de artes plásticas foram reeditados.
Mudanças políticas e crises econômicas interferiram de forma radical na configuração do mercado de arte da Bahia no início dos anos 90, dando margem a sentimentos de desestímulo e expectativa. Galerias de arte com décadas de atuação, como a Época e 0 Cavalete, encerraram suas atividades. Demonstrando confiança, persistência e alto grau de profissionalismo, a Prova do Artista e o Escritório de Arte da Bahia - hoje Paulo Darzé Galeria de Arte - permaneceram em funcionamento. Ao mesmo tempo, procurando dinamizar o mercado e estimular o público, essas galerias apoiavam a apresentação de artistas iniciantes e incentivavam a criação de novos espaços de exibição.
Durante a década de 90, período em que o Ocidente se preparava para a virada do século XXI, Salvador testemunhou a emergência de uma extensa série de novos empreendimentos ligados à arte. Havia uma produção ampla e diversificada e um público ávido por se engajar e participar ativamente daquele momento de euforia. A Noguerol, a Anarte, a Roberto Alban, a NCR, a Athum, a Opus, a Ada, a N R, a ArteViva e muitas outras excelentes galerias que se espalhavam pela cidade souberam impulsionar sua pauta de exposições e seus negócios, beneficiando-se da estabilidade transmitida pelas galerias mais tradicionais e, simultaneamente, da agitação gerada pelo cruzamento de todas essas condições favoráveis.
Chegou-se, por fim, ao século XXI. Anunciando perspectivas promissoras, as atividades culturais, no Brasil, não param de crescer, se ampliar e se desenvolver. Por outro lado, um número crescente de brasileiros vem exigindo e conquistando seu direito de acesso ao ensino e à cultura como parte de sua rotina cotidiana. As instituições culturais públicas e privadas, por sua vez, valorizando o passado, mostram preocupação com a memória do país. 0 mercado de arte da Bahia está hoje, mais do que nunca, consolidado. E não apenas por força do talento e do prestígio de seus artistas, mas também pela fidelidade de seu público, pela perspicácia de seus críticos e pela seriedade de seus marchands.
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