Ainda no navio, o
primeiro contacto que o visitante tem com a história baiana é o Forte de São Marcelo,
também chamado — do Mar.
Longa e gloriosa a sua história, podendo ser
considerado o guardião das tradições baianas. “Edificado sôbre um cabeço de
rocha”, antes de existir teria sido uma trincheira avançada. Acredita-se que
tenha sido iniciado em 1623, por Diogo
Mendonça Furtado, que guarnecia a cidade para a resistência aos holandeses. Sua
construção causou desentendimentos entre o clero e o govêrno local, porque
foram desviadas para aí quantias destinadas à construção da “Sé”. Seu batismo
de fogo mais sério teria acontEcido antes de concluído, em 1624, quando tomado
de assalto por Pieter Hein, cabo-de-guerra holandês, apelidado “o terror dos
mares”. Nessa época, testemunhou curiosa festança dos holandeses, que, tomados
de pileque carnavalesco, no auge da alegria, bombardearam as encostas da
cidade. Porém, em maio de 1638, vingou-se da afronta com a saída de Nassau da
Bahia, “com seus navios em silêncio”. Entretanto, recentemente, o historiador
Luiz Monteiro afirmou em tese de concurso que, nessa época, o São Marcelo não
existia como praça armada.
Quase duzentos anos
depois, os tripulantes dos barcos de João das Botas, vindos da Ilha de
Itaparica, nêle arvoraram a bandeira da liberdade.
A história, todavia,
não termina aí. Em 1833, os idealistas da Federação dos Guanais nêle estiveram
presos e conseguiram forçar a guarnição a aderir ao movimento, hasteando
bandeira e bombardeando a cidade. Não sòmente êsses revolucionários conheceu,
mas também Sabino Vieira, Bento Conçalves, o patriota Cipriano Barata — “o
homem de tôdas as revoluções” — e os líderes e heróis anônimos da insurreição
dos negros malês.
Mas sua missão não foi
sômente guerreira: viveu também em função pacífica para a cidade. Era êle que
disparava salvas de cortesia na tradicional procissão do Senhor dos Navegantes;
anunciava os incêndios marítimos, era um relógio da cidade, mas foi também
prisão de estudantes que desatendiam os professôres. No interior, além dos
compartimentos indispensáveis numa praça forte, possuía árvores frutíferas,
havendo mesmo românticos que cultivavam jasmineiros de Caiena...
E hoje, depois de
tantos séculos, depois de assistir a guerras e revoltas, depois de seus canhões
terem lançado fogo em defesa da cidade, o São Marcelo foi novamente chamado a
ocupar o antigo pôsto. De forte tranqüilo — “adôrno do ancoradouro” — servindo
de sede aos escoteiros do mar, com seus velhos canhões, sinal de um passado
glorioso, dormindo sôbre os louros de vitórias, serviu na última guerra como
aquartelamento aos marinheiros nacionais antifascistas.
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