Peça que o levem até a praça Municipal. Aí
chegando, de costas para o mar, ponha a mão no peito, concentre-se e medite: -
aqui começou o Brasil a ser um país organizado.
À direita está o palácio Rio Branco. Estilo
bombástico. Já foi no entanto um belo paço do século XVII. Reformado depois da
proclamação da República, reedificado, com cúpula e águias, após o bombardeio
da cidade em 1912. Esqueça tudo isso e considere ao invés que neste sítio Tomé
de Souza trabalhou; e que foi a residência dos vice-reis do Brasil até 1763,
quando a capital da colônia se transferiu para o Rio de Janeiro.
Em frente, a Câmara Municipal. Também já
foi um belíssimo edifício seiscentista. Sofreu reforma menos completa. A pesar
de todos ornatos que lhe puzeram na fachada, o arcabouço antigo ainda se deixa
perceber, em tôda sua imponência de cabildo. Além disso, os reformadores não
tiveram ocasião de metamorfosear as fachadas laterais e de fundo, nem o pátio
interno, nem o salão da câmara dos vereadores. Há quem presuma ser possível
recuperar o aspecto original do edifício. Será um grande dia para a arquitetura
brasileira.
No lado oposto, ou seja, sôbre o mar, fica o
elevador Lacerda. Até pouco tempo fazia tal impressão na paisagem urbana que
alguém o chamou de “dente de ouro” da Bahia. Com o aparecimento dos
arranhacéus-mirins da cidade-baixa, a impressão quase se desfaz. Não será mais
o dente, porém continúa sendo uma mina, para a companhia concessionária.
À esquerda, a Biblioteca Pública, uma das
mais antigas (fundada 1811) e uma das melhores do Brasil. Também à esquerda,
acha-se o prédio da Imprensa Oficial.
E agora, caro visitante, que prefere: o
antigo, o moderno, ou a natureza tropical?
Se gosta das coisas antigas, tome a rua à
esquerda. Um pouco adiante da Biblioteca está a Santa Casa. Vale a pena entrar.
Mais adiante, o palácio da Cúria. No grande vazio que separa a Santa Casa dêste
palácio, levantava-se a igreja da Sé, destruída em 1933. Continui andando e
chegará à Catedral, no Terreiro de Jesus.
Defronte da Catedral, a Ordem Terceira de
São Domingos; à esquerda, a igreja de São Pedro dos Clérigos. A praça menor ao
fundo é o Cruzeiro de São Francisco. Aí se encontram o convento, a igreja
mundialmente famosa e, a sua ilharga, a Ordem Terceira.
A Bahia colonial, no que tem de melhor, está
em volta, no raio de um quilômetro. Desça ladeiras, suba ladeiras. Desça o
Pelourinho, suba a rua do Passo. Vá perguntando que lhe ensinam. Passe pela rua
das Laranjeiras, pelo Maciel de Cima e pelo Maciel de Baixo. No bêco do Mota e
na ladeira de São Miguel. Continui andando, descendo e subindo. Apreciando.
Sentindo o cheiro de antiguidade que se exala a cada saguão. Ninguém o atacará,
os cachorros não mordem. Quando se cansar, volte para o hotel, repouse e repita
o passeio. Veja se pode ir de noite. É tão dramática a Bahia colonial noturna!
Só assim é que se começa a gostar de uma cidade que tem caráter e passado. Da
primeira vez, talvez choque.
Se você gosta do moderno, pouco terá que
ver. A rua Chile é uma das mais feias do Brasil; sua salvação está nas
tentadoras mulheres que lá fazem compras. Felizmente é curta; desemboca na
Praça Castro Alves. Começa então a avenida Sete que compreende: São Pedro,
Piedade, Rosário, Mercês, Campo Grande, Vitória, Ladeira da Barra, Porto da
Barra, Farol da Barra. Aí tem “boite”, cinema, sorveteria, churrascaria, brisa
do mar, paisagem.
Qualquer bonde que se tomar na praça
Municipal ou na Praça Cairú levará o passageiro a bairros modernizados. Nalguns
com maior frequência, noutros de raro em raro, verá casas antigas e algumas
solarengas. São a parte mais digna dêsses bairros. As edificações modernas são
na sua quase totalidade de mau gosto, quando não de gosto hilariante. Diversas
custaram uma fortuna.
Será melhor, caro visitante, gostar da
natureza tropical. Vá diretamente a Itapoã. A estrada inclui, depois do Farol
da Barra: avenida Oceânica, Ondina, Rio Verelho, Mariquita, Amaralina, Pituba,
Armação, Chega-Negro, Boca do Rio. Sempre ao longo da praia, um nunca se acabar
de praias bonitas. Mas não se meta a tomar banho em qualquer lugar. Pode custar
sua vida. Há trechos de puro coqueiral, outros edificados. Chegando a Itapoã,
beba sua água de côco. É gostosa e refrescante.
Mas talvez você prefira panoramas. Dirija-se
então ao outro extremo da cidade, o farolete de Monte Serrat. Terá tôda Bahia
diante de si, uma recordação de majestade que nunca se apagará de sua memória.
José
Valadares, Bêabá da Bahia, 1951, p. 39-45.
Nenhum comentário:
Postar um comentário