Uma das obras urbanísticas de maior importância no século XIX foi a da rua da Vala, que durou cerca de dezesseis anos, começando por volta de 1849. Já nessa data, havia um início da rua da Vala, e a saúde pública já nitidamente percebia as vantagens que poderiam advir em conseqüência do saneamento do vale por onde se estenderia, proporcionando bem melhor salubridade à cidade, se o governo tivesse condições de continuar tão importante obra, entrando pela rua das Flores e seguindo até a Barroquinha. Na área intermediária, existia uma imunda vala, que infectava, em parte, a velha urbe, pelo que, não podia deixar de ser canalizada. Em troca surgiria uma importante via de comunicação, ligando várias freguesias, chegando ao 2° distrito de Salvador. Através dos anos, a rua da Vala seria a principal artéria da cidade, tornando-se lentamente populosa, com pequenas ruas laterais atingindo os pontos centrais urbanos. Outra utilidade da rua da Vala é que sobre ela poderiam ser usados os veículos de rodas, pesados, de difícil locomoção, que não eram empregados nas estreitas e irregularmente calçadas ruas da ex-capital do País.
De logo percebeu o governo que os cofres provinciais não conseguiriam arcar com as despesas de construção da rua da Vala, passando a pôr em arrematação pública etapas da obra, empregando nelas os recursos extraídos das loterias consignadas especialmente para essa finalidade.
Em 1852, a despesa com essa construção já atingira a 87 contos de réis, quando apenas estava no seu terço. Nesse ano, a rua da Vala aproximava-se da travessa de São Miguel. Canos gerais e laterais foram dispostos para receber as águas e despejos daquela zona. Um outro cano parcial recolhia as águas das ladeiras do Desterro, Poeira e da Garapeira, além das águas que se despejavam em frente à casa de Tomás Pedreira Geremoabo, na encosta do muro das freiras do Desterro.
Até o muro do Convento de São Francisco foi a rua da Vala também entulhada, entrando pela horta do referido Convento, em que se encontrou terreno excessivamente pantanoso. Otimista, o Presidente da Província estimou que a obra da rua da Vala estaria concluída dentro de dois anos.
A canalização das águas que corriam no espaço onde se construiu a rua da Vala era de grande necessidade para o saneamento da cidade, e, em 1856, o projeto que lhe concernia já admitia chegar à rua da Lama, onde coletaria a maior porção das águas que davam origem ao rio das Tripas. Este rio, que estava sendo canalizado sob a rua da Vala, recebia, em grande parte, o esgoto da cidade. Tornava-se evidente que se deveria cuidar, com prioridade, do encanamento do rio das Tripas, e a construção da rua da Vala seria feita sobre o entulho que se usasse após o rio canalizado. Existia, pois, o propósito de construir-se a rua da Vala não somente com a finalidade de ligar diversos pontos da urbe, como ainda outra de caráter higiênico, de receber, canalizados, o esgoto e as águas da Cidade Alta, que escorriam para o lado oriental, dirigindo-os para o Camorogipe, abrindo-se uma comunicação que seguia um longo caminho, prosseguindo no Retiro, alcançando em seguida o Engenho da Conceição, e dali indo ao encalço do bairro do Bonfim, na freguesia da Penha.
A rua da Vala, para o século XIX, significou tanto, ou talvez mais, que as aberturas das avenidas no século atual, em Salvador. [...] Contudo, só em 1858 se cogitou em calçar a rua da Vala, quase concluída, restando a abertura de becos e travessas que a ligasse estreitamente à cidade. Prosseguia-se em abrir a artéria referida, desde o Retiro até o Engenho da Conceição, sob o encargo do arrematante José de Barros Reis.
Em 1860, cuidava-se de ligar ao cano central, sob a rua da Vala, nas baixas do Mosteiro de São Bento, as águas daquela zona, e construir na rua da Lama uma praça. O saneamento do pântano que viciava os ares da capital baiana fora uma das grandes conquistas materiais do governo provincial, inclusive conseguindo terreno e espaço para novos edifícios. Entre as ruas da Prata e Nova do Gravatá fizeram-se muitos metros de empedramento.
Logo no ano seguinte, a rua da Vala oferecia trânsito livre da rua das flores até a baixada do rio Camorogipe: dava-se grande importância a esse empreendimento, considerando-se mais uma estrada do que propriamente rua, e que se poderia nela estabelecer a cobrança de pedágio, pois grande sua extensão estava fora da demarcação da zona urbana da cidade, isaneta do pagamento de décima. Esse imposto seria revertido no término da conservação da mesma via. Pretendia-se, também, compensar o pagamento do tributo com benefício da iluminação que nela se instalaria, com alguns bicos de gás que sobrara do contrato para dar melhor luz à cidade.
No ano de 1862, José de Barros Reis, encarregado dos melhoramentos da rua da Vala, utilizava-se de alguns africanos para, na zona que ia do Retiro do Engenho da Conceição, construir, em diversos lugares, pontes de alvenaria, substituindo as de madeira, em parte deterioradas.
Continuaram pelo ano seguinte os melhoramentos dessa rua, em grande parte empedrada, entre o arco e o Camorogipe. Já concluídas, as partes de alvenaria, observou-se que os terrenos que ficavam a descoberto nas margens da rua gozavam de singular fertilidade pelo que seriam utilizados em benefício do abastecimento da cidade. [...]
A rua da Vala foi, certamente, o grande melhoramento, em matéria sanitária e de via pública, que ocupou e preocupou mental e materialmente vários Presidentes da Província, que bem souberam compreender sua grande utilidade em matéria de facilidade de locomoção, canalização de águas e esgotos, drenagem, o aproveitamento de terrenos para cosntrução e para a cultura de subsistência.
Anna Amélia Vieira Nascimento
NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Dez freguesias da cidade do Salvador: aspectos sociais e urbanos do século XIX. Salvador:EDUFBA, 2007.
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