quarta-feira, 9 de maio de 2012

Conjunto da Ordem I de São Francisco

Mundialmente conhecida com "a igreja de ouro",
graças a sua talha barroca  recoberta de finíssimas folhas de  ouro,
que certamente só chegaram aos nossos dias por falta de recursos dos franciscanos
para adequá-la ao gosto neo-clássico do século XIX.
Outros templos baianos tiveram decorações similares,
posteriormente consideradas antiquadas e substituídas.
Incêndios e problemas de manutenção
também podem ter contribuído para o desgaste e substituição.

Os franciscanos vieram à Bahia, em 1587. Da sua primeira igreja no Terreiro do Jesus, construída por Frei Francisco dos Santos, o primeiro deste nome, arquiteto e escultor português, nem elementos iconográficos fidedignos vieram aos nossos dias. Do primeiro convento, talvez a portaria atual apresente restos.
A Igreja de São Francisco atualmente existente foi construída, entre 1708-1713, provalvelmente segundo a planta do engenheiro em exercício do Governo, Francisco Pinheiro que anteriormente já fizera as plantas do novo convento, edificado entre 1686-1705. (Carlos Ott. GACS, 1987)
Segundo Carlos Ott (GACS, 1985), o arenito utilizado na fachada,
repleto de seixos de granito, os franciscanos receberam de graça,
extraído de uma pedreira na Boa Viagem. 

Assim nasceu um frontispício renascentista, realçado pelas torres com extremidades piramidais, possuindo apenas um frontão de caracoes com tendências barrocas. Observamos porém aqui torres possantes, levantadas com cunhais salientes de pedra de cantaria [...] que dá ao edifício o aspecto de uma construção sólida, bem implantada. As paredes destas duas torres, primeiro apenas caiadas, foram azulejadas em 1806 e neste ano também se acrescentou no meio da praça defronte a igreja o cruzeiro de pedra mármore, dando assim ao conjunto um aspecto tipicamente lusitano. (Carlos Ott. GACS, 1987)
Não encontrando aberta a portada da igreja, pode-se entrar nela pela portaria do convento que fica do lado direito do templo. Neste salão deparamos com azulejos da segunda metade do séc. XVIII, revestindo as paredes juntamente com painéis neste tempo importados de Portugal, sendo um deles assinado por um certo “Matos”. A pintura do teto desta portaria foi executada, em 1772 pelo pintor de origem portuguesa José Joaquim da Rocha, representando uma Aula Magna de uma universidade medieval na qual se discutia o privilégio da isenção do pecado original da mãe de Cristo. O pintor aqui repetiu essencialmente o mesmo assunto e quase todas as figuras de Santos que ele pintou, em 1768, no teto da Igreja de Santo Antônio, da capital paraibana. A falta de altura correspondente para uma pintura em perspectiva não permite porém apreciar o conjunto da pintura, mas permite apreciar as figuras isoladas dos Santos [...].(Carlos Ott. GACS, 1987)
Entretanto na igreja, reparamos na parte do adro, [...] com azulejos em estilo rococó, pintados por Bartolomeu Antunes em Portugal, por volta de 1745, representando cenas da infância e juventude de São Francisco de Assis. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Em cima deste adro fica o coro dos frades, já transferido da capela-mór para cima pelo primeiro arquiteto franciscano Frei Francisco dos Santos na primeira igreja que ficava no mesmo lugar e que, segundo a descrição do Livro dos Guardiães, ainda possuia um adro de três arcos. O coro atual está sustentado por duas colunas possantes com capitéis iônicos importados de Portugal, possuindo embaixo pias de água benta, doadas por Dom João V. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Repare ainda na decoração tipicamente barroca com que estão revestidos os dois púlpitos da nave, apresentando bustos femininos exuberantes e provocantes que revelam todo o sensualismo da mentalidade barroca, acompanhada pelas gargalhadas estridentes de máscaras de demônios maliciosos que se encontram reproduzidas na parte inferior dos mesmos púlpitos. O mesmo sensualismo barroco manifesta-se nas cariátides femininas que se encontram na grade de jacarandá preto que cerca a nave. (Carlos Ott. GACS, 1987).

Na nave, belo forro em caixotões com pinturas emolduradas por diferentes formas geométricas como estrelas, quadrados e  losangos. Carlos Ott (GACS, 1985) atribui as pinturas de anjos com moldura estrelar  ao pintor português José Pinhão de Matos, as demais são atribuídas por ele ao pintor, também português, Antônio Simões Ribeiro
(todas da primeira metade do século XVIII).

Vamos entrando na capela-mór da igreja. O piso está revestido de um trabalho raro e bem feito em linhas barrocas com mármore encrustado português, herança dos antigos romanos, não tão perfeito como os trabalhos semelhantes italianos pois o mármore português, inferior ao italiano, não permitia a mesma perfeição. Este piso corresponde maravilhosamente ao rico forro da capela-mór, formado de círculos entrelaçados. Iluminado pela lâmpada gigantesca de prata, de autor desconhecido, completa a harmonia barroca existente nesta capela-mór. (Carlos Ott. GACS, 1987). 


Seu altar-mór possue urna imagem de São Francisco abraçado pelo Cristo crucificado, escultura feita em 1931 pelo escultor baiano Pedro Ferreira, imitando a célebre pintura de Murillo. (Carlos Ott. GACS, 1987). 

As paredes da capela-mór estão revestidas com azulejos portugueses, pintados em 1737 pelo pintor português Bartolomeu Antunes, como diz a inscrição existente no azulejo do lado direito do presbitério, dizendo: “Bartolomeu Antunes a fez nas olarias em Lisboa no (ano) de 1737”. Representam cenas da vida de São Francisco. Voltando à nave, vale a pena apreciar novamente o conjunto da capela-mór, inspirado visivelmente na igreja de Miragaia, situada ao sul da cidade do Porto. (Carlos Ott. GACS, 1987). 



Altares do lado direito da nave:

  1. Barroco com colunas salomônicas – S. Benedito (de origem norte-africana, era moreno. Nesta imagem mostra carnação negra);
  2. Barroco com colunas salomônicas – S. José;
  3. Barroco com colunas salomônicas – S. Pedro de Alcântara (imagem rococó do final do século XVIII);
  4. Dedicado ao “Coração de Jesus” (antes foi dedicado a S. Luiz da França). Considerado por Carlos Ott (GCAS, 1987) um dos mais perfeitos retábulos da Bahia. Ele comenta: “Aqui o espaço disponível é completa e perfeitamente ocupado, e aproveitado bem a luz da janela aí existente. Em cima [...] há duas cúpulas pequenas em perspectiva, criadas pelo pincel ilusionista do já mencionado pintor José Joaquim da Rocha.”;
  5. S. Antônio de Lisboa (conhecido também como S. Antônio de Pádua, por estar sepultado nesta cidade da Itália).
 Altares do lado esquerdo da nave:

1.    São Pascoal Bailão;
2.    Santana;
3.    Santa Luzia;
4.  N. S. da Glória - Considerado por Carlos Ott (GCAS, 1987) um dos mais perfeitos retábulos da Bahia. Ele comenta: “Aqui o espaço disponível é completa e perfeitamente ocupado, e aproveitado bem a luz da janela aí existente. Em cima [...] há duas cúpulas pequenas em perspectiva, criadas pelo pincel ilusionista do já mencionado pintor José Joaquim da Rocha.”;
5. N. S. da Conceição (do lado esquerdo do arco-cruzeiro). Sobre a imagem revela Carlos Ott (GCAS, 1987): “...anos atrás mais bonita, mas cuja encarnação ficou prejudicada quando depois de uma festa de São Francisco uma doida arrancou a escultura de seu pedestal; tornou-se necessária uma restauração e nova encarnação que porém foi feita por um homem que já não conheceu os segredos das encarnações setecentistas...”. 

Voltemos à Portaria e entremos na Capela do Capitulo que possue um altar barroco excelente como dois quadros em rococó teatral perfeito. Os painéis que ficam de ambos os lados do retábulo [...] representam a “Anunciação do nascimento de Nossa Senhora a seus pais, Sant’Ana e São Joaquim”, assuntos tirados do evangelho apógrifo de São Jacó. (Carlos Ott. GACS, 1987)

No teto desta Capela do Capitulo deparamos com trinta e dois quadros dentro de molduras octogonais que representam virgens mártires. (Carlos Ott. GACS, 1987) 
http://www.cidteixeira.com.br/
Desta Capela do Capítulo entramos no claustro, revestido de azulejos portugueses primorosos, pintados por Bartolomeu Antunes [...] que ai se inspirou em estampas de Otto van Veen, o mestre do grande pintor flamengo Peter Paul Rubens, mas transformou o formato quadrado das ditas estampas em azulejos-tapetes de formato mais largo, o que o obrigou de redesenhar todas as figuras, o que ele fez com grande habilidade pictórica. Assim estes azulejos-tapetes do andar térreo deste claustro representam a melhor pintura barroca existente na Bahia no que diz respeito tanto ao desenho perfeito como à mentalidade barroca da glorificação da beleza do corpo humano. São tratados temas da ética natural que Otto van Veen inventou na base do estudo dos clássicos latinos, principalmente de Horácio; e que recomendam o gozo moderado dos prazeres da carne, do poder, da riqueza, etc. A fertilidade humana é representada por uma mulher de quatro seios [...]. Cada azulejo possue uma inscrição latina do seu significado. [...] Na pintura dos azulejos do andar térreo predominou absolutamente o pincel seguro de Bartolomeu Antunes (pois pintor de azulejo não pode corrigir traço nenhum); em poucos casos observamos colaboração de oficiais, como no barril em que está sentado o filósofo grego Diógenes, o “cínico”, pintado sem pintura correta de perspectiva.Tais erros de colaboradores já são mais numerosos nos azulejos do primeiro andar do claustro, sinal que aí houve mais colaboração. Mesmo assim aí aparecem também figuras humanas clássicas, como as que representam os sentidos humanos, sendo também muito apreciáveis as figuras que representam os trabalhos característicos de cada mês em Portugal. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Do claustro se entra na sacristia, em cuja frente e na parede direita externa da capela-mór encontramos também cenas bíblicas pintadas por Barlolomeu Antunes, por volta de 1740, quando os franciscanos já lhe deram mais liberdade do que na pintura dos azulejos da capela-mór; mas seu pincel trabalhou com plena liberdade quando entre 1745—1748, pintou os azulejos do claustro. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Na sacristia encontramos um dos arcazes mais perfeitos para guardar os paramentos sacerdotais em suas gavetas; no meio deles deparamos com o altar barroco mais lindo, possuindo no seu meio um crucifixo de marfim de mentalidade e característicos artísticos góticos (como os cabelos anelados do Cristo), provavelmente copiado de um crucifixo antigo por um escravo africano da Costa do Marfim, onde se cultivava escultura de marfim desde séculos. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Apreciáveis são também os armários da sacristia como as pinturas do seu teto, cujos autor ainda não consegui identificar. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Caso o guia franciscano que lhe acompanhar ainda lhe permitir lançar uns olhares dentro do convento, peça que lhe mostre o refeitório, pois aí verá os azulejos mais antigos da Bahia, colocados por volta de 1650 na sua primeira igreja. No mesmo refeitório há também uma “Ultima Ceia”, azulejo-moldura, provavelmente pintado por Antônio Pereira. E no mesmo recinto, como na sua ante-sala e na escadaria que leva para os andares superiores há azulejos tipo “arabesco”, feitos por volta de 1705. No fim desta escadaria encontramos em frente da antiga enfermaria do convento o brazão da Ordem franciscana, um braço de Cristo e outro de São Francisco, cruzados, com azuejos que possuem o tamanho dos holandeses, sem poder afirmar por documentos esta origem, pois a azulejaria portuguesa é muito influenciada pela holandesa, sem se poder afirmar o contrário. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Dentro da antiga enfermaria (hoje sala de aula) há também azulejos-tapetes, representando cenas de eremitas; quando um conjunto desses tirou-se da parede, anos atrás, descobri atrás dos azulejos isolados a indicação com algarismos e letras que serviram de orientação para o pedreiro colocá-los corretamente. (Carlos Ott. GACS, 1987)

Referência Bibliográfica

OTT, Carlos. Guia artístico da cidade do Salvador. Nº 1. Bahia, 1987


Foto: Ana Góis, fevereiro de 2016.

 

 


 

 



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