Estrada da Liberdade
Um dos problemas sociais da cidade é a Estrada da Liberdade, que abriga a mais densa população proletária do Salvador. Seus casebres surgiram sem planos de urbanismo, descendo e subindo colinas, formando os arruamentos de Belo Oriente, Japão, Corta-Braço, Gengibirra, Estica, Mandchúria, Curuzu, Salta pra Trás, Rua do Céu... Servida por péssima linha de transportes, vive a população respirando poeira no verão e morando na lama no inverno, no mais completo abandono dos poderes públicos. Apesar de tôda essa situação, julgam-se mais felizes do que os habitantes do Bairro da Sé; os casebres ainda têm luz do sol e seus moradores, maiores possibilidades de expansão para as crenças religiosas.
Na Estrada da Liberdade habitam alguns artistas populares da cidade: pintores, escultores, ceramistas e fazedores de Presépios. Alguns têm quadros colocados em várias províncias do país e, mais ainda, no Chile, Portugal, França e outros países, adquiridos por viajantes interessados na espontânea arte popular de nossa gente.
No início do Corta-Braço, a academia de Mestre Waldemar, o mais famoso capoeirista da Bahia, sucessor dos grandes mestres da capoeiragem, Samuel de Deus e Besouro. Waldemar, que já estêve no Rio para exibições, é figura obrigatória em tôdas as festas baianas e, aos domingos, sua academia recebe visitantes ilustres, mulheres e homens, do Brasil e do estrangeiro, que vão para ver o “ballet” bárbaro dos seus alunos.
A maioria dos habitantes, apesar de vir diàriamente ganhar a vida no centro da cidade, após o trabalho, afasta-se desta, porque tem seus cinemas, seus candomblés, seus bailes, suas festas populares, seus bilhares e sua Casa de Deus. Os fiéis que abraçam a religião católica (que disputa a primazia das almas com os pais-de-santo e os pastôres protestantes),rezam numa pequena casa que serve de capela, administrada por um padre de côr negra. Também negros são quase todos os pais-de-santo e os pastôres protestantes, êstes em grande número.
A Estrada da Liberdade, caminho dos heróis da Independência, em 1823, tem sua maior festa no dia de São João. As casinhas, mal equilibradas nos morros, ganham fôlhas de palmeiras, gambiarras e, por mais modestas que sejam, exibem presépios, acendem fogueiras e servem licor de jenipapo “feito em casa”. Nos arruamentos e largos há festinhas, bailes de arrasta-pé, cantorias, bandeirolas, violões. Felizes, donas de tudo, são as lindas negrinhas de fita rósea nos cabelos, passeando de mãos dadas com garbosos namorados de terno branco, como se a estrada fôsse mesmo da Liberdade.
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