Antigamente
aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas
ora se rebentavam fragorosas, ora vinham se bater mansamente. A água
passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora,
iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros
carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura
das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta
ponte de tábuas, hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o
mistério do mar oceano, as noites diante dele eram de um verde escuro, quase
negras, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite.
Hoje a noite
é alva em frente ao trapiche. É que na sua frente se estende agora o areal do cais do porto. Por
baixo da ponte não há mais rumor de ondas. A areia invadiu tudo, fez o mar
recuar de muitos metros. Aos poucos, lentamente, a areia foi conquistando a
frente do trapiche. Não mais atracaram na sua ponte os veleiros que iam partir
carregados. Não mais trabalharam ali os negros musculosos que vieram da
escravatura. Não mais cantou na velha ponte uma canção um marinheiro
nostálgico. A areia se estendeu muito alva em frente ao trapiche. E nunca mais
encheram de fardos, de sacos, de caixões, o imenso casarão. Ficou abandonado em
meio ao areal, mancha negra na brancura do cais.
Jorge Amado, Capitães de Areia, 1937.
“Companhia de Bolso”, Coleção Jorge Amado,
Companhia das Letras, 2009, p.
25.
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