A situação política de Portugal ao lado da Inglaterra, no começo
do século XVIII, deu lugar a um tratado entre a França e Espanha, com o fim de
dividi-lo.
Esta pretensão se concretizou com a invasão da gloriosa nação
pelas tropas napoleônicas, comandadas por Junot; motivando a partida imediata
do govêrno português para o Brasil, a 29 de novembro do ano de 1807.
A frota, conduzindo a côrte, chegou a Bahia de Todos os
Santos, as duas horas da madrugada de 22 de janeiro de 1808, e às quatro horas
da tarde, segundo o Conde da Ponte, já fundeavam, no grande ancoradouro, as
náus Príncipe Real, Affonso de Albuquerque, a inglesa Bendƒord, a fragata Urania, o bergantim Três Corações
e uma escuna americana. É o que refere a Revista
do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, n. 34, as folhas 27, do ano
de 1908, em artigo do saudoso Cesário Suetônio. O desembarque da família real e
da sua comitiva se deu no dia 24, às cinco horas da tarde.
A inopinada viagem de D. João VI a estas paragens veio mudar,
por completo, a face do Brasil e acelerar sua independência.
Assim é que o sábio e grande economista José da Silva
Lisboa, depois Visconde de Cairu, pôde sugerir a D. Fernando José de Portugal,
depois Marquês de Aguiar, a abertura dos portos do Brasil ao comercio de tôdas
as nações amigas. Ambos aconselharam ao Príncipe Regente, D. João VI, a que o
fizesse, como medida transcendente. O Príncipe, para assinalar a sua passagem
pela Bahia, não vacilou e, pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1888, dirigida
ao Governador da Bahia, D. João de Saldanha da Gama de Melo e Torres, Conde da Ponte,
franqueou o livre comercio a todos os povos. Essa Carta Regia, amplamente
conhecida, foi escrita na Bahia, e publicada na Imprensa Regia, no Rio de Janeiro.
O ato do Regente influiu, decisivamente, no destino da jovem
nação.
A Bahia, não podendo deixar de manifestar sua gratidão ao Príncipe,
resolveu, pela sua Câmara, erigir-lhe um monumento.
O Governador de então, o 8º Conde dos Arcos, que já havia
considerado objeto de grande utilidade um Passeio Público, dava princípio a sua
edificação, aproveitando o terreno comprado, em 1803, pelo Governador Francisco
da Cunha Menezes, para criação de um Hôrto Botânico.
O encarregado desta criação e da compra dos terrenos foi Inácio
Ferreira da Câmara Bitencourt, que a 14 de setembro de 1803, adquiriu a roça do
bacharel Caetano Mauricio Machado, pela quantia de 1:200$000, ficando nos
cofres reais a de 2:880$000 para o pagamento do que se devia ao Recolhimento de S. Raimundo Nonato.
A avaliação foi de menos; o proprietário a recusou e pediu
ao Recolhimento a desapropriação.
Foi êste o local escolhido o melhor possível – tôpo occidental
da Bateria dos Mosteiros ao lado do Forte de S. Pedro, como se vê do oficio
de 5 de setembro de 1812, do Conde dos Arcos ao Dr. Juiz de Fora e Presidente
do Senado da Câmara desta Cidade, em que aprova a Estampa e promete contribuir para que a inauguração se realize no
dia 17 de dezembro [...]. As obras, de fato, foram logo iniciadas, segundo
se evidencia da respectiva folha de pagamento [...].
A estação invernosa de 1813, porém, foi inclemente, como até
então não havia exemplo, segundo refere Inácio Aciólì de Cerqueira e Silva, nas
suas Memórias Históricas e Políticas da
Província da Bahia, edição de 1835, Tomo I, folhas 312 a 316: “45 dias de
continuadas chuvas na capital, à 1 hora e 1/2 do dia 14 de junho, desligando-se
uma murada de cima da montanha que sustentava a casa de Thomé Alves Braga, na
Cruz do Paschoal, caiu, com grande porção de terra, no Trapiche Barnabé, causando
a morte de 34 pessoas, havendo outros desabamentos na Conceição, Misericórdia e
Gambôa”. Êsses acontecimentos abalaram a população. O Conde dos Arcos, solicito
no bem público, concebeu o plano de fazer uma nova cidade, entre o Noviciado
(Órfãos de S. Joaquim) até Itapagipe e, para execução dêsse plano, “exame do
local e orçamento das despesas, que cumpria fazer-se, vieram, do Rio de
Janeiro, José da Costa e Silva, arquitecto das obras públicas, e João da Silva
Mante, aos quais se reuniram os engenheiros e mestres de obras locais, que êles
exigiram”, sendo-lhes dadas vantagens especiais. Foram êles que fizeram os
estudos das grandes muralhas da cidade.
“O Conde dos Arcos, que dispunha de grande energia, que se
estendia a todos os ramos da administração, aproveitou-os para suas grandes realizações,
conseguindo inaugurar a Associação Comercial, na praça respectiva, e outro
melhoramento, de não menor utilidade, ansiado pela população: o seu passeio
público com a famosa pirâmide, à custa da Câmara”.
Os dois arquitetos, a quem a Bahia tanto ficou a dever pelo
seu saber e competência, deram valioso parecer para a construção da pirâmide,
na vistoria que procederam aos quinze de setembro de mil oitocentos e treze [...], onde foi “lembrado o centro da praça circular e vizinha à rua principal
do Passeio, como local mais próprio para levantar-se o Monumento, por ficar
superior e visível da Barra, e vasto ancoradouro desta cidade, foi igualmente
por todos examinado o terreno, e disse o Arquiteto das obras, sr. José da Costa,
que se fazendo um alicerce naquele sitio, com cincoenta palmos de alto e trinta
de comprido, ficaria o Monumento com a solidez necessária, com o qual voto se
conformararn todos os outros. Lembrou mais o sobredito Arquiteto, que para
evitar as despesas de tão grosso alicerce poderia levantar-se o Monumento em
outro lugar e apontou a esplanada do forte de S. Pedro”. Êste parecer foi
aprovado pelo Conde dos Arcos. [...]
A 12 de outubro de 1813 foi lançada a primeira pedra. [...] (a)
(a)O Senado da Câmara tendo urgência na
homenagem, teve de pedir a Abadia de S. Bento, lhe cedesse pedras de lioz
destinadas a construção da cúpula do seu templo.
O local do obelisco já estava guarnecido por fortes muralhas
e artísticas rampas, ainda existentes, que figuram no desenho de 1859 de Chas.
Ribeyrolles. O artista apresenta a fina flôr da sociedade, de então,
frequentando o logradouro, homens de casaca e chapéu de pelo e senhoras de saia
balão, véus e chapéus finos. Nesse local existiu, depois, o edifício sede da
Radio Sociedade.
1815 - Passeio Público
com Obelisco em Homenagem à Vinda da Família Real para o Brasil
(depois transferido para a frente do Palácio da Aclamação).
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O ilustre e saudoso Professor Pedro Celestino da Silva, na sua memória A Bahia e seus monumentos, editada
na Revista do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, n. 59, ano 1933, no capitulo Memória do desembarque da Família
Real Portuguêsa, repetindo o que dissera José Alves do Amaral, no Resumo
Cronológico e Noticioso da Província da Bahia desde seu descobrimento em 1500”,
faz judicioso estudo a respeito do obelisco, colocado “em aprazível sítio, com
excelente vista do mar e próximo ao antigo forte de São Pedro”, comemorativo do
desembarque da Família Real Portuguêsa na Cidade […].
[...] à sua inauguração, realizada a 23 de janeiro de 1815,
assistiu grande massa de povo, formando em parada toda a guarnição da cidade.
A cerimônia foi revestida da maior solenidade, tendo
comparecido representantes de todas as classes sociais.
O monumento é representado por uma pirâmide de fino mármore
português, existindo, numa das faces da base que a sustenta, a seguinte
inscrição, em letras douradas:
JOANNI
PRINC. REG. P. F. P.
P.
HUC. PRIMUM. APPULSO
XI CAL. FEBRUAR
A.D.M C C C V I I I
Bahia Senatus
Monumentum
Pocuit
M D C C C X V
O Passeio Público
é notável pelo soberbo ponto de vista que oferece; e não tem nisto, talvez,
rival em outros países, segundo confirmam todos os estrangeiros que o têm
visitado.
O velho logradouro público é uma tradição da cidade: aquelas
mangueiras vetustas, as estátuas nuas, formosas algumas, de mármore branco;
aquêle pátio suspenso que olhava para o mar, todo de azulejo branco e de
conchas. Nos domingos, à tarde, costumava tocar ali uma banda de música
militar, ocasião em que era muito concorrido.
Antes da remodelação da velha cidade colonial, a sociedade
para ali afluia. Era nele que se faziam entrevistas, se entretinham deliciosas
palestras, ao cair de tardes encantadoras.
Com a abertura da Avenida
Sete de Setembro, em 1915, e a remodelação do palácio destinado à
residência dos governadores, perdendo o Passeio
Público parte de seus terrenos, foi por essa ocasião desmanchado e
transferido o monumento para a praça fronteira ao Palácio da Aclamação, onde atualmente se encontra circundado de
palmeiras e por um jardim de feitura moderna. Deixou de ser ótimo, para ser bom.
[…]
A propósito, Sílio Boccanera Júnior em Bahia Histórica, às páginas 280-286 e Bahia Cívica e Religiosa, 1926, às páginas 36, se refere ao
obelisco. Diz que “é o monumento lapidar mais antigo que existe na
Bahia […]. Refere […] à mudança
do monumento do seu antigo local, fronteiro ao mar para ornamento da Praça da
Aclamação. Considera o ato um atentado à História pelo Estado, contra um bem da
Prefeitura, mostrando a estética prejudicada, com o sacrifício das estatuetas
de fino mármore português. Cita valiosos documentos históricos, que vêm sanar erros
cronológicos – um Sermão pregado por Inácio José de Macedo, na igreja Catedral,
hoje Basílica do Salvador, no dia 22 de janeiro de 1815, véspera da inauguração
do Monumento, e outro no mesmo local, por frei Francisco de Paula de S.
Gertrudes Magna, na “festa que celebrou o ilustre Senado, em 23 de janeiro de
1815, em Memória do Faustíssimo Dia em que Sua Alteza Real desembarcou nesta
Cidade da Bahia, e no dia da inauguração da Pirâmide, erecta no Passeio Público”.
Estes discursos foram publicados nos 4 volumes das Miscelânias, orações
proferidas de 1311 a 1839.
Inácio José de Macêdo era presbítero secular, pregador de S.
M. Fidelíssima, cavaleiro da Ordem de Cristo e professor régio de filosofia
aqui na Bahia.
PASSEIO PÚBLICO
Em março de 1924, o governador dr. Góes Calmon, por um ato
de rigorosa justiça, mandou restituir ao uso e gozo da serventia do público, o
mais antigo logradouro da cidade, que estava servindo de parque anexo ao
palácio da residência dos governadores.
A 7 de setembro de 1925, completamente restaurado e remodelado,
o Passeio Público, com grandes melhoramentos,
foi inaugurado, tocando durante o ato diversas bandas de música, sendo enorme a
concorrência de visitantes.
Novamente entregue o Passeio
Púbico à Administração Municipal, a sua conservação ficou a cargo da Diretoria das Obras respectiva.
O monumento não traz o nome do escultor.
Nos últimos anos, fortes aguaceiros demoliram a muralha do pátio
suspenso, ruindo o esplêndido terraço, ao sul, donde moças e rapazes, nos fins
de século passado, costumavam patinar. Para alcançá-lo, subiam-se duas escadas
de fino mármore, ladeadas de artística fonte, cheia de regatos e pontes, onde
medravam cravos, amores perfeitos e mimosas flores. Era cercado por lindo
gradil, em cujos pedestais estavam estatuas gregas e romanas, com bancos de
vistosos azulejos. (1) O Contra-Almirante Amadée Erneste Barthelemy Mouchez, ou
simplesmente Mouchez, com a sua admirável aptidão de observador que tinha percorrido
o mundo, referindo-se à Cidade do Salvador, dìz no volume Les Côrtes du Brésil – Descriptions et Instructions Nautiques – 1876:
“Vê-se o Jardim Público, otimamente situado, no extremo do bairro da Vitória;
uma balaustrada permite aproximar até o bordo do precipício, de onde se domina
como de um balcão, o esplêndido panorama da cidade, do ancoradouro e da baía.
Um obelisco comemorativo do desembarque do Príncipe Regente, em 1807, que
reinou mais tarde sob o nome de João VI, eleva-se ao meio do Jardim e pode ser
visto de diferentes pontos do ancoradouro”.
(1) Os idealizadores
desse terraço sabiamente o imaginaram para interceptar, á tarde, os rigores dos
raios solares ali dominantes no poente, alcançando assim uma sombra amiga para
todo o parque; com a redução da altura que fìzeram, desapareceu o benefício,
voltando a canicula a predominar em toda a área.
O brilhante intelectual João Estanislau da Silva Lisboa, que
guiou tantas gerações, em janeiro de 1877, publicou em Bruxelas, a edição em
português, do seu magnifico Atlas
Elementar de Geografia, aprovado pelo Conselho
Superior de Instrução Pública da Bahia e adotado pelo govêrno da então Província,
com mapas coloridos e ilustrado com escolhidas gravuras do que havia de
principal no mundo. Pois bem, nele figura a Pirâmide do Passeio Público (Bahia),
no seu lugar primitivo. Sentiu-se orgulhoso em publicá--la, agradecendo ao Sr.
Porfirio Teixeira Lopes lhe ter proporcionado a fotografia.
O Dr. Edgard de Cerqueira Falcão, na sua obra Relíquias da Bahia, folhas 390 e 391,
estampa magnificas fotografias do monumento comemorativo.
Recentemente, o saudoso patrício Dr. Afrânio Peixoto, no Breviário da Bahia, dedicou-lhe as
paginas 154 e 155 e recordou a satisfação de Martius quando o visitou em 1818.
A revista Esperantista Bahiano, n. 4, correspondente a março,
estampa ótima fotografia, sob o titulo Obelisco, e um artigo na língua universal
de autoria de (A.C.F.).
Na raiz da montanha, à borda dágua, por baixo do obelisco,
fica o forte da Gamboa, com baterias a barleta, que em 1863, segundo refere
Baurepaire Rouen em seu relatório ao Ministério da Marinha, constava de 18 peças montadas, sendo 6
de calibre 32 e doze de 24. (Rev. I. G. e H. da Bahia, 1896, pág. 57).
Estas peças foram arroladas como ferro velho pelo capitão
Luiz Irenio, em 10 de novembre de 1916 (A Tarde),exceto a possante Vovó, canhão
tipo Armstrong, que se conserva montado no respectivo reparo, sendo-lhe os
movimentos de avanço e recuo, feitos por carretas sôbre trilhos.
Esta poderosa peça foi, por, muito tempo, a maior garantia da
Cidade.
Pois bem, a muralha que sustentou o obelisco e cuja balaustrada
fica no bordo do precipício, foi tão fortemente construída, que nem os roncos
da Vovó, nem os fortes aguaceiros, a abalaram.
Faz muita pena, não só se ter mudado o obelisco, como deslocado
e transferido dali fontes, estatuas, jarros e animais de mármore português e de
Carrara tão artisticamente cinzelados e tão bem colocados. O Prefeito, Dr. Elísio Lisboa,
reconstruiu as muralhas e reformou, com apurado gôsto, o precioso jardim.
Os documentos juntos, por cópias extraídas do livro Cartas
do Senado à sua Majestade, páginas 178 a 180, me foram fornecidos pelo então
esforçado e competente Diretor do Arquivo da Prefeitura, sr. Osvaldo Valente.
Nota – O Visconde de Cairú teve, por parte da Bahia,
posteriormente, expressiva homenagem no belo monumento que lhe foi erigido, na
antiga Praça da Alfândega, entre esta e o elevador, hoje Praça Cairu, onde, em
bronze, foi gravado o seguinte: “Homenagem do Govêrno da Bahia a José da Silva
Lisboa, Visconde de Cairu, inspirador do decreto de abertura dos portos do
Brasil ao comércio das Nações amigas em 28 de janeiro de 1808. Inaugurado em 28
de novembro de 1934.” Este monumento é trabalho do escultor italiano Del
Chirico.
In: Revista do Instituto Genealógico da Bahia. Ano 5, n. 5, Imprensa Oficial da Bahia, 1950, p. 25-41.
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