quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

O primeiro monumento público do Brasil, erigido na Bahia - Mario Torres (trechos)

A situação política de Portugal ao lado da Inglaterra, no começo do século XVIII, deu lugar a um tratado entre a França e Espanha, com o fim de dividi-lo.

Esta pretensão se concretizou com a invasão da gloriosa nação pelas tropas napoleônicas, comandadas por Junot; motivando a partida imediata do govêrno português para o Brasil, a 29 de novembro do ano de 1807.

A frota, conduzindo a côrte, chegou a Bahia de Todos os Santos, as duas horas da madrugada de 22 de janeiro de 1808, e às quatro horas da tarde, segundo o Conde da Ponte, já fundeavam, no grande ancoradouro, as náus Príncipe Real, Affonso de Albuquerque, a inglesa Bendƒord, a fragata Urania, o bergantim Três Corações e uma escuna americana. É o que refere a Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, n. 34, as folhas 27, do ano de 1908, em artigo do saudoso Cesário Suetônio. O desembarque da família real e da sua comitiva se deu no dia 24, às cinco horas da tarde.

A inopinada viagem de D. João VI a estas paragens veio mudar, por completo, a face do Brasil e acelerar sua independência.

Assim é que o sábio e grande economista José da Silva Lisboa, depois Visconde de Cairu, pôde sugerir a D. Fernando José de Portugal, depois Marquês de Aguiar, a abertura dos portos do Brasil ao comercio de tôdas as nações amigas. Ambos aconselharam ao Príncipe Regente, D. João VI, a que o fizesse, como medida transcendente. O Príncipe, para assinalar a sua passagem pela Bahia, não vacilou e, pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1888, dirigida ao Governador da Bahia, D. João de Saldanha da Gama de Melo e Torres, Conde da Ponte, franqueou o livre comercio a todos os povos. Essa Carta Regia, amplamente conhecida, foi escrita na Bahia, e publicada na Imprensa Regia, no Rio de Janeiro.

O ato do Regente influiu, decisivamente, no destino da jovem nação.

A Bahia, não podendo deixar de manifestar sua gratidão ao Príncipe, resolveu, pela sua Câmara, erigir-lhe um monumento.

O Governador de então, o 8º Conde dos Arcos, que já havia considerado objeto de grande utilidade um Passeio Público, dava princípio a sua edificação, aproveitando o terreno comprado, em 1803, pelo Governador Francisco da Cunha Menezes, para criação de um Hôrto Botânico.

O encarregado desta criação e da compra dos terrenos foi Inácio Ferreira da Câmara Bitencourt, que a 14 de setembro de 1803, adquiriu a roça do bacharel Caetano Mauricio Machado, pela quantia de 1:200$000, ficando nos cofres reais a de 2:880$000 para o pagamento do que se devia ao Recolhimento de S. Raimundo Nonato.

A avaliação foi de menos; o proprietário a recusou e pediu ao Recolhimento a desapropriação.

Foi êste o local escolhido o melhor possível – tôpo occidental da Bateria dos Mosteiros ao lado do Forte de S. Pedro, como se vê do oficio de 5 de setembro de 1812, do Conde dos Arcos ao Dr. Juiz de Fora e Presidente do Senado da Câmara desta Cidade, em que aprova a Estampa e promete contribuir para que a inauguração se realize no dia 17 de dezembro [...]. As obras, de fato, foram logo iniciadas, segundo se evidencia da respectiva folha de pagamento [...].

A estação invernosa de 1813, porém, foi inclemente, como até então não havia exemplo, segundo refere Inácio Aciólì de Cerqueira e Silva, nas suas Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia, edição de 1835, Tomo I, folhas 312 a 316: “45 dias de continuadas chuvas na capital, à 1 hora e 1/2 do dia 14 de junho, desligando-se uma murada de cima da montanha que sustentava a casa de Thomé Alves Braga, na Cruz do Paschoal, caiu, com grande porção de terra, no Trapiche Barnabé, causando a morte de 34 pessoas, havendo outros desabamentos na Conceição, Misericórdia e Gambôa”. Êsses acontecimentos abalaram a população. O Conde dos Arcos, solicito no bem público, concebeu o plano de fazer uma nova cidade, entre o Noviciado (Órfãos de S. Joaquim) até Itapagipe e, para execução dêsse plano, “exame do local e orçamento das despesas, que cumpria fazer-se, vieram, do Rio de Janeiro, José da Costa e Silva, arquitecto das obras públicas, e João da Silva Mante, aos quais se reuniram os engenheiros e mestres de obras locais, que êles exigiram”, sendo-lhes dadas vantagens especiais. Foram êles que fizeram os estudos das grandes muralhas da cidade.

“O Conde dos Arcos, que dispunha de grande energia, que se estendia a todos os ramos da administração, aproveitou-os para suas grandes realizações, conseguindo inaugurar a Associação Comercial, na praça respectiva, e outro melhoramento, de não menor utilidade, ansiado pela população: o seu passeio público com a famosa pirâmide, à custa da Câmara”.

Os dois arquitetos, a quem a Bahia tanto ficou a dever pelo seu saber e competência, deram valioso parecer para a construção da pirâmide, na vistoria que procederam aos quinze de setembro de mil oitocentos e treze [...], onde foi “lembrado o centro da praça circular e vizinha à rua principal do Passeio, como local mais próprio para levantar-se o Monumento, por ficar superior e visível da Barra, e vasto ancoradouro desta cidade, foi igualmente por todos examinado o terreno, e disse o Arquiteto das obras, sr. José da Costa, que se fazendo um alicerce naquele sitio, com cincoenta palmos de alto e trinta de comprido, ficaria o Monumento com a solidez necessária, com o qual voto se conformararn todos os outros. Lembrou mais o sobredito Arquiteto, que para evitar as despesas de tão grosso alicerce poderia levantar-se o Monumento em outro lugar e apontou a esplanada do forte de S. Pedro”. Êste parecer foi aprovado pelo Conde dos Arcos. [...]

A 12 de outubro de 1813 foi lançada a primeira pedra. [...] (a)

     (a)O Senado da Câmara tendo urgência na homenagem, teve de pedir a Abadia de S. Bento, lhe cedesse pedras de lioz destinadas a construção da cúpula do seu templo.

O local do obelisco já estava guarnecido por fortes muralhas e artísticas rampas, ainda existentes, que figuram no desenho de 1859 de Chas. Ribeyrolles. O artista apresenta a fina flôr da sociedade, de então, frequentando o logradouro, homens de casaca e chapéu de pelo e senhoras de saia balão, véus e chapéus finos. Nesse local existiu, depois, o edifício sede da Radio Sociedade.

1815 - Passeio Público
com Obelisco em Homenagem à Vinda da Família Real para o Brasil
(depois transferido para a frente do Palácio da Aclamação).
O ilustre e saudoso Professor Pedro Celestino da Silva, na  sua memória A Bahia e seus monumentos, editada na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, n. 59, ano 1933, no capitulo Memória do desembarque da Família Real Portuguêsa, repetindo o que dissera José Alves do Amaral, no Resumo Cronológico e Noticioso da Província da Bahia desde seu descobrimento em 1500”, faz judicioso estudo a respeito do obelisco, colocado “em aprazível sítio, com excelente vista do mar e próximo ao antigo forte de São Pedro”, comemorativo do desembarque da Família Real Portuguêsa na Cidade […].

[...] à sua inauguração, realizada a 23 de janeiro de 1815, assistiu grande massa de povo, formando em parada toda a guarnição da cidade. 

A cerimônia foi revestida da maior solenidade, tendo comparecido representantes de todas as classes sociais.

O monumento é representado por uma pirâmide de fino mármore português, existindo, numa das faces da base que a sustenta, a seguinte inscrição, em letras douradas:

  JOANNI
PRINC. REG. P. F. P. P.
HUC. PRIMUM. APPULSO
XI CAL. FEBRUAR
A.D.M C C C V I I I
  Bahia Senatus
  Monumentum
 Pocuit
M D C C C X V

O Passeio Público é notável pelo soberbo ponto de vista que oferece; e não tem nisto, talvez, rival em outros países, segundo confirmam todos os estrangeiros que o têm visitado.

O velho logradouro público é uma tradição da cidade: aquelas mangueiras vetustas, as estátuas nuas, formosas algumas, de mármore branco; aquêle pátio suspenso que olhava para o mar, todo de azulejo branco e de conchas. Nos domingos, à tarde, costumava tocar ali uma banda de música militar, ocasião em que era muito concorrido.

Antes da remodelação da velha cidade colonial, a sociedade para ali afluia. Era nele que se faziam entrevistas, se entretinham deliciosas palestras, ao cair de tardes encantadoras.

Com a abertura da Avenida Sete de Setembro, em 1915, e a remodelação do palácio destinado à residência dos governadores, perdendo o Passeio Público parte de seus terrenos, foi por essa ocasião desmanchado e transferido o monumento para a praça fronteira ao Palácio da Aclamação, onde atualmente se encontra circundado de palmeiras e por um jardim de feitura moderna. Deixou de ser ótimo, para ser bom. […]


A propósito, Sílio Boccanera Júnior em Bahia Histórica, às páginas 280-286 e Bahia Cívica e Religiosa, 1926, às páginas 36, se refere ao obelisco. Diz que “é o monumento lapidar mais antigo que existe na Bahia […]. Refere […] à mudança do monumento do seu antigo local, fronteiro ao mar para ornamento da Praça da Aclamação. Considera o ato um atentado à História pelo Estado, contra um bem da Prefeitura, mostrando a estética prejudicada, com o sacrifício das estatuetas de fino mármore português. Cita valiosos documentos históricos, que vêm sanar erros cronológicos – um Sermão pregado por Inácio José de Macedo, na igreja Catedral, hoje Basílica do Salvador, no dia 22 de janeiro de 1815, véspera da inauguração do Monumento, e outro no mesmo local, por frei Francisco de Paula de S. Gertrudes Magna, na “festa que celebrou o ilustre Senado, em 23 de janeiro de 1815, em Memória do Faustíssimo Dia em que Sua Alteza Real desembarcou nesta Cidade da Bahia, e no dia da inauguração da Pirâmide, erecta no Passeio Público”. Estes discursos foram publicados nos 4 volumes das Miscelânias, orações proferidas de 1311 a 1839.

Inácio José de Macêdo era presbítero secular, pregador de S. M. Fidelíssima, cavaleiro da Ordem de Cristo e professor régio de filosofia aqui na Bahia.

PASSEIO PÚBLICO

Em março de 1924, o governador dr. Góes Calmon, por um ato de rigorosa justiça, mandou restituir ao uso e gozo da serventia do público, o mais antigo logradouro da cidade, que estava servindo de parque anexo ao palácio da residência dos governadores.

A 7 de setembro de 1925, completamente restaurado e remodelado, o Passeio Público, com grandes melhoramentos, foi inaugurado, tocando durante o ato diversas bandas de música, sendo enorme a concorrência de visitantes.


Novamente entregue o Passeio Púbico à Administração Municipal, a sua conservação ficou a cargo da Diretoria das Obras respectiva.

O monumento não traz o nome do escultor.

Nos últimos anos, fortes aguaceiros demoliram a muralha do pátio suspenso, ruindo o esplêndido terraço, ao sul, donde moças e rapazes, nos fins de século passado, costumavam patinar. Para alcançá-lo, subiam-se duas escadas de fino mármore, ladeadas de artística fonte, cheia de regatos e pontes, onde medravam cravos, amores perfeitos e mimosas flores. Era cercado por lindo gradil, em cujos pedestais estavam estatuas gregas e romanas, com bancos de vistosos azulejos. (1) O Contra-Almirante Amadée Erneste Barthelemy Mouchez, ou simplesmente Mouchez, com a sua admirável aptidão de observador que tinha percorrido o mundo, referindo-se à Cidade do Salvador, dìz no volume Les Côrtes du Brésil – Descriptions et Instructions Nautiques – 1876: “Vê-se o Jardim Público, otimamente situado, no extremo do bairro da Vitória; uma balaustrada permite aproximar até o bordo do precipício, de onde se domina como de um balcão, o esplêndido panorama da cidade, do ancoradouro e da baía. Um obelisco comemorativo do desembarque do Príncipe Regente, em 1807, que reinou mais tarde sob o nome de João VI, eleva-se ao meio do Jardim e pode ser visto de diferentes pontos do ancoradouro”.

(1) Os idealizadores desse terraço sabiamente o imaginaram para interceptar, á tarde, os rigores dos raios solares ali dominantes no poente, alcançando assim uma sombra amiga para todo o parque; com a redução da altura que fìzeram, desapareceu o benefício, voltando a canicula a predominar em toda a área.

O brilhante intelectual João Estanislau da Silva Lisboa, que guiou tantas gerações, em janeiro de 1877, publicou em Bruxelas, a edição em português, do seu magnifico Atlas Elementar de Geografia, aprovado pelo Conselho Superior de Instrução Pública da Bahia e adotado pelo govêrno da então Província, com mapas coloridos e ilustrado com escolhidas gravuras do que havia de principal no mundo. Pois bem, nele figura a Pirâmide do Passeio Público (Bahia), no seu lugar primitivo. Sentiu-se orgulhoso em publicá--la, agradecendo ao Sr. Porfirio Teixeira Lopes lhe ter proporcionado a fotografia.

O Dr. Edgard de Cerqueira Falcão, na sua obra Relíquias da Bahia, folhas 390 e 391, estampa magnificas fotografias do monumento comemorativo.

Recentemente, o saudoso patrício Dr. Afrânio Peixoto, no Breviário da Bahia, dedicou-lhe as paginas 154 e 155 e recordou a satisfação de Martius quando o visitou em 1818.

A revista Esperantista Bahiano, n. 4, correspondente a março, estampa ótima fotografia, sob o titulo Obelisco, e um artigo na língua universal de autoria de (A.C.F.).

Na raiz da montanha, à borda dágua, por baixo do obelisco, fica o forte da Gamboa, com baterias a barleta, que em 1863, segundo refere Baurepaire Rouen em seu relatório ao Ministério da Marinha, constava de 18 peças montadas, sendo 6 de calibre 32 e doze de 24. (Rev. I. G. e H. da Bahia, 1896, pág. 57).

Estas peças foram arroladas como ferro velho pelo capitão Luiz Irenio, em 10 de novembre de 1916 (A Tarde),exceto a possante Vovó, canhão tipo Armstrong, que se conserva montado no respectivo reparo, sendo-lhe os movimentos de avanço e recuo, feitos por carretas sôbre trilhos.

Esta poderosa peça foi, por, muito tempo, a maior garantia da Cidade.

Pois bem, a muralha que sustentou o obelisco e cuja balaustrada fica no bordo do precipício, foi tão fortemente construída, que nem os roncos da Vovó, nem os fortes aguaceiros, a abalaram.

Faz muita pena, não só se ter mudado o obelisco, como deslocado e transferido dali fontes, estatuas, jarros e animais de mármore português e de Carrara tão artisticamente cinzelados e tão bem colocados. O Prefeito, Dr. Elísio Lisboa, reconstruiu as muralhas e reformou, com apurado gôsto, o precioso jardim.

Os documentos juntos, por cópias extraídas do livro Cartas do Senado à sua Majestade, páginas 178 a 180, me foram fornecidos pelo então esforçado e competente Diretor do Arquivo da Prefeitura, sr. Osvaldo Valente.

Nota – O Visconde de Cairú teve, por parte da Bahia, posteriormente, expressiva homenagem no belo monumento que lhe foi erigido, na antiga Praça da Alfândega, entre esta e o elevador, hoje Praça Cairu, onde, em bronze, foi gravado o seguinte: “Homenagem do Govêrno da Bahia a José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, inspirador do decreto de abertura dos portos do Brasil ao comércio das Nações amigas em 28 de janeiro de 1808. Inaugurado em 28 de novembro de 1934.” Este monumento é trabalho do escultor italiano Del Chirico.

In: Revista do Instituto Genealógico da Bahia. Ano 5, n. 5, Imprensa Oficial da Bahia, 1950, p. 25-41.

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