Foto: Acervo IPHAN. |
Quando os pais do poeta Castro Alves mudaram-se da Fazenda Cabaçeiras, onde ele nasceu, para Salvador, escolheram a velha Fazenda Boa Vista, na freguesia de N. S. das Brotas, como morada. Ali ele cresceu com seus irmãos. Quando foi estudar fora a família permaneceu, mas com a morte prematura de sua mãe, aos 34 anos, mudaram-se para o Largo do Pelourinho e depois para o Sodré.
Ao retornar a Salvador, o poeta voltou ao velho Solar desabitado. Passou dias ali, com a amada musa Eugênia Câmara. Retirado, escreveu em prosa e poesia. Recebeu amigos e fez com eles leituras e discussões literárias, piqueniques e arruaças de assombração com a vizinhança que achava estar a propriedade esvaziada.
Escreveu os seguintes versos sobre o o local tão cheio de suas boas lembranças:
“Longe o feudal castello levanta a antiga torre,
Que os raios do poente brilhante sol escorre!
Eil-o soberbo e calmo o abutre de granito
Mergulhando o pescoço no seio do infinito,
E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos
Os tectos, que a seus pés perecem de joelhos!. . .
Não! minha velha torre! Oh! atalaia antiga,
Tu olhas esperando alguma face amiga,
E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:
“Porque não volta rnais o meu senhor d’outr’ora?
Porque não vem sentar-se no banco do terreiro
Ouvir das creancinhas o riso feiticeiro,
E pensando no lar na sciencia, nos pobres
Abrigar n’esta sombra seus pensamentos nobres?
Onde estão as creanças —- grupo alegre e risonho
-- Que escondiam-se atraz do cypreste tristonho. ..
Ou que inforcaram rindo um Pulchinello.
Emquanto a doce Mãe, que toda amor, disvello
Ralha com um rir divino o grupo folgazão,
Que Vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?
E’ nisto que tu scismas, ó torre abandonada,
Vendo deserto o parque e solitaria a estrada.
No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conheces -
No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.
Oh! deixem-me chorar!. . . Meu lar. . . meu doce ninho!
Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Passado — mar irnmenso!. . . innunda-me em fragancia!
Eu não quero laureis, quero as rosas da infancia.
Ai! minha triste fronte, a onde as multidões
Lançaram misturadas glorias e maldições. . .
Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Deixo est’alrna chorar em teu hombro encostada !
Meu lar está deserto. . . Um velho cão de guarda
Veio saltando á custo rogar-me a testa parda
Lamber-me após os dedos, porém, á sós comigo
Rusgando com o direito, que teem um velho amigo...
Como tudo mudou-se! . . . O jardim ’stá inculto
As roseiras morreram do vento ao rijo insulto. . .
Oh! jardim solitario! Reliquia do passado!
Minha’alma, como tu, é um parque arruinado!
Entremos!. . . Quantos echos na vasta escadaria,
Nos longos corredores respondem-me é porfia!. . .
Oh! casa de meus paes!. . . A’ urn craneo já vazio,
Que o hospede largando deixou calado e frio,
Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto
Nestes salões immensos, que abriga o vasto tecto.
Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão
Fala-me o seu silencio — ouço-te a solidão.
Fonte: Annaes do Archivo Publico da Bahia, vol. XXX, Bahia, Imprensa Official do Estado, 1947, p. 243-244.
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